9d. Citolão, Guitarrão ou Guitolão?
Segundo a informação - transmitida pelo Prof. Dr. Rui Vieira Nery - de Raul Nery (n. em 1921) e corroborada por Joel Pina (n. em 1920), o exímio guitarrista Armandinho (Armando Freire, 1891-1946) já usava, nos anos 30 ou inícios do 40, um Guitarrão, mas, infelizmente, desconhece-se o seu paradeiro!
Na sequência deste testemunho duas perguntas podem ser formuladas: O célebre guitarrista João Maria dos Anjos (1856-1889) já teria usado um Guitarrão no quinteto ou no sexteto com os quais efectou vários concertos em Portugal, no Brasil ou em Madrid? Ou ainda, as três ou quatro guitarras portuguesas que constituíam estes agrupamentos seriam todas do mesmo tamanho?
Na Europa temos conhecimento que, pelo menos desde os finais do século XV até ao XVIII, se construíram instrumentos de corda dedilhada ou palhetada (alaúdes, arqui-alaúde - tiorbas e chitarrones - cítaras, violas de mão, mandoras, colasciones, guitarras inglesas e bandolins) de vários tamanhos, que correspondiam, grosso modo, às diferentes tessituras da voz humana: soprano, alto, tenor e baixo. Não será de estranhar que esta prática se tenha mantido ao longo do século XIX e inícios do XX. Aliás, várias arqui-guitarras sobreviveram e guardam-se em museus europeus e norte-americanos (cf. BainesE, n.os 236, 237, 261, 262, 263, 264, 266 e 267; MichelZ, pp. 89-98). Ainda que em Portugal não se tenha preservado nenhum Guitarrão construído no século XIX ou durante o terceiro decénio do XX, não poderemos ignorar o testemunho fidedigno acima mencionado, a importante informação do tratadista, Frei Domingos Varela (vide posta n.º 9), bem como o que nos deixou escrito, em 1875, Ambrósio Fernandes Maia e D. L. Vieira (cf. MoraisG, p. 103 e tb. posta n.º 9a). Todos eles, e em épocas tão diferentes que oscilam entre os finais de setecentos até às decadas de 1930/40, nos confirmam a existencia e a prática no nosso País deste tipo de Guitarra.
Segundo o conselho do citado Varela, o Guitarrão deveria ter "[...] tres palmos escassos de comprimento [= a 66 cm], ou 22 polegadas desde o cavalete até á pestana, [...]", o que nos dá um tiro de corda de 55,88 cm. Se compararmos estas medidas com as usadas no designado Guitolão construído por Meste Gracio (62, 23 cm), vemos que o seu tiro de corda se aproxima bastante do preconizado pelo frade beneditino.
Não sei qual é o tiro de corda do Citolão ou Guitarrão que Carlos Paredes usou na gravação efectuada em 1974, em contrapartida poderei indicar, graças à gentil informação de Luísa Amaro, a afinação que o Mestre optou neste instrumento (do agudo para o grave): Fá3/Fá3; Dó2/Dó2; Lá2/Lá2; Fá2/Fá2; Dó3/Dó2; Sol2/Sol1, (isto é, uma quarta, duas terceiras - uma menor e outra maior - seguidas de duas quartas).
Para terminar gostaria de expressar a minha opinião sobre o nome que se deve atribuir a esta ampla guitarra portuguesa. O neologismo inventado por Gilberto Gracio não me parece apropriado já que ele tem, na sua constituição, o nome de dois instrumentos tão dispares como a Guitarra e o Violão (guit+olão), se bem que ambos pertençam à grande família dos cordofones de mão. Quanto ao uso do arcaico vocábulo Citolão parece-me também pouco convincente, pois ele diz especificamente respeito a um instrumento cuja caixa de ressonância é bastante diferente da do tipo periforme.
Creio que não é necessário inventar nenhum nome, pois ele já existe, pelo menos, desde finais do século XVIII, Guitarrão!
Este nome, inventado ou não pelo monge beneditino Domingos de S. José Varela (fl. entre c. 1806-c. 1838), aplica-se perfeitamente à tipologia deste grande cordofone de mão. Para completar a escassa informação que dispomos sobre a vida deste tratadista, seguramente o mais importante do seu tempo, copiamos o que dele nos deixou escrito um seu contemporâneo:
Na sequência deste testemunho duas perguntas podem ser formuladas: O célebre guitarrista João Maria dos Anjos (1856-1889) já teria usado um Guitarrão no quinteto ou no sexteto com os quais efectou vários concertos em Portugal, no Brasil ou em Madrid? Ou ainda, as três ou quatro guitarras portuguesas que constituíam estes agrupamentos seriam todas do mesmo tamanho?
Na Europa temos conhecimento que, pelo menos desde os finais do século XV até ao XVIII, se construíram instrumentos de corda dedilhada ou palhetada (alaúdes, arqui-alaúde - tiorbas e chitarrones - cítaras, violas de mão, mandoras, colasciones, guitarras inglesas e bandolins) de vários tamanhos, que correspondiam, grosso modo, às diferentes tessituras da voz humana: soprano, alto, tenor e baixo. Não será de estranhar que esta prática se tenha mantido ao longo do século XIX e inícios do XX. Aliás, várias arqui-guitarras sobreviveram e guardam-se em museus europeus e norte-americanos (cf. BainesE, n.os 236, 237, 261, 262, 263, 264, 266 e 267; MichelZ, pp. 89-98). Ainda que em Portugal não se tenha preservado nenhum Guitarrão construído no século XIX ou durante o terceiro decénio do XX, não poderemos ignorar o testemunho fidedigno acima mencionado, a importante informação do tratadista, Frei Domingos Varela (vide posta n.º 9), bem como o que nos deixou escrito, em 1875, Ambrósio Fernandes Maia e D. L. Vieira (cf. MoraisG, p. 103 e tb. posta n.º 9a). Todos eles, e em épocas tão diferentes que oscilam entre os finais de setecentos até às decadas de 1930/40, nos confirmam a existencia e a prática no nosso País deste tipo de Guitarra.
Segundo o conselho do citado Varela, o Guitarrão deveria ter "[...] tres palmos escassos de comprimento [= a 66 cm], ou 22 polegadas desde o cavalete até á pestana, [...]", o que nos dá um tiro de corda de 55,88 cm. Se compararmos estas medidas com as usadas no designado Guitolão construído por Meste Gracio (62, 23 cm), vemos que o seu tiro de corda se aproxima bastante do preconizado pelo frade beneditino.
Não sei qual é o tiro de corda do Citolão ou Guitarrão que Carlos Paredes usou na gravação efectuada em 1974, em contrapartida poderei indicar, graças à gentil informação de Luísa Amaro, a afinação que o Mestre optou neste instrumento (do agudo para o grave): Fá3/Fá3; Dó2/Dó2; Lá2/Lá2; Fá2/Fá2; Dó3/Dó2; Sol2/Sol1, (isto é, uma quarta, duas terceiras - uma menor e outra maior - seguidas de duas quartas).
Para terminar gostaria de expressar a minha opinião sobre o nome que se deve atribuir a esta ampla guitarra portuguesa. O neologismo inventado por Gilberto Gracio não me parece apropriado já que ele tem, na sua constituição, o nome de dois instrumentos tão dispares como a Guitarra e o Violão (guit+olão), se bem que ambos pertençam à grande família dos cordofones de mão. Quanto ao uso do arcaico vocábulo Citolão parece-me também pouco convincente, pois ele diz especificamente respeito a um instrumento cuja caixa de ressonância é bastante diferente da do tipo periforme.
Creio que não é necessário inventar nenhum nome, pois ele já existe, pelo menos, desde finais do século XVIII, Guitarrão!
Este nome, inventado ou não pelo monge beneditino Domingos de S. José Varela (fl. entre c. 1806-c. 1838), aplica-se perfeitamente à tipologia deste grande cordofone de mão. Para completar a escassa informação que dispomos sobre a vida deste tratadista, seguramente o mais importante do seu tempo, copiamos o que dele nos deixou escrito um seu contemporâneo:
Fr. Domingos José Varella. - Natural de Guimarães, insigne Organista, e o melhor, que teve a Congregação Benedictina de Portugal néstes nossos tempos. Tinha amplissima instrução e conhecimentos da Musica antiga e moderna, e dos seus varios systemas: conhecia perfeitamente o mecanismo do Orgão, e tocava este bello instrumento com admiravel perfeição, e apurado gosto. Presumo que ao presente [1839] he falecido. (citado por VieiraD, p. 386)
Bibliografia (citada e de referência):
AlvarezI, M.R., "Los instrumentos musicales en los códices alfonsinos: su tipología, su uso y su origen. Alguns problemas iconograficos", Revista de Musicología, X.
CuestaH, Ismael Fernández de la, História de la música española. 1. Desde los orígenes hasta la "ars nova". Madrid: Alianza, 1983.
BainesE, Anthony, European & American Musical Instruments. Londres: B T Batsford Ltd., 1966.
GonçalvesL, Elsa & Ramos, Maria Ana, A lírica galego-portuguesa. Lisboa: Comunicação, 1983.
GroveD, The New Grove Dictionary of Nusic and Musicians, Edited by Stanley Sadie. London: Macmillan Publishers Limited, 1980.
MacKillopS, Rob, "The Scottish Contribution to the 18th-Centur Wire-strung Guittar", Guitarra Portuguesa. Actas do Simpósio Internacional (Universidade de Évora, 7-9 Setembro 2001), Lisboa: Estar/Centro de História da Arte, Universidade de Évora, 2002, pp. 37-82.
MichelZ, Andreas, Zistern. Europaische Zupfinstrumente von der Renaissance bis zum Historismus, Leipzig: Musikeninstrumenten-Museum der Universitat Leizig, 1999.
MoraisG, Manuel,“A Guitarra Portuguesa: das suas origens setecentistas até aos finais do século XIX”, Guitarra Portuguesa. Actas do Simpósio Internacional (Universidade de Évora, 7-9 Setembro 2001), Lisboa: Estar/Centro de História da Arte, Universidade de Évora, 2002, pp. 95-116.
MunrowI, David, Instruments of the Middle Ages and Renaissance. London: Oxfor University Press, 1976.
NeryH, Rui Vieira, Para uma História do Fado. Edição revista e aumentada. Lisboa: Público, Comunicação Social, SA/Corda Seca, Edições de Arte, SA, s.d., Dezembro de 2004.
PidalP, R. Menéndez, Poesia juglaresca y origenes de la literatura románicas. Problemas de historia literaria y cultural. Madrid, 1957. Sexta ed. corrigida e aumentada.
ReyI, Juan José, Los instrumentos de púa en España. Bandurria, cítola y "laúdes españoles". Madrid: Alianza, 1993, pp. 13-69.
RossiC, G. Doc, "The Cittern or English Guitar in Colonial América", Guitarra Portuguesa. Actas do Simpósio Internacional (Universidade de Évora, 7-9 Setembro 2001), Lisboa: Estar/Centro de História da Arte, Universidade de Évora, 2002, pp. 83-94.
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TylerP, James, "Plucked Instruments in Barroque Opera, Oratoria, and the Cantata". Guitarra Portuguesa. Actas do Simpósio Internacional (Universidade de Évora, 7-9 Setembro 2001), Lisboa: Estar/Centro de História da Arte, Universidade de Évora, 2002, pp. 149-156.
VieiraD, Ernesto, Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes. Lisboa: Typographia Mattos & Pinheiro, 1900.
(Fim!)