sábado, setembro 03, 2005

9c. Citolão, Guitarrão ou Guitolão?

O vocábulo Citolão (ou Citolom, aumentativo depreciativo de Cítola) aparece pela primeira vez mencionado na poesia trovadoresca galaico-portuguesa e refere-se a um instrumento musical da família dos cordofones de mão. Tanto no Cancioneiro Português da Biblioteca Vaticana como no Cancioneiro da Biblioteca Nacional o termo encontra-se disseminado em várias poesias. Entre outras, copiamos alguns versos de uma tenção do trovador Dom Joam Peres d'Avoim (nobre da região do Lima, fl. 1270) com o jogral Lourenço:

Lourenço soyas tu guarecer
como podias per teu citolon
ou bem ou mal non ti digneu de non
e vejote de trobar trameter
e queroteu desto desenganar

(V-Vbap, cód. 4803, f. 162v, n.º 1010; GonçalvesL, p. 167 e 39)

Segundo a opinião abalizada de Menendéz Pidal "El instrumento de todos los junglares gallegos es nombrado 'cítola', o con aumentativo despectivo, 'citolón', y la acción de tañer ese instrumento significada com el verbo especial 'citolar' [...]" (PidalP, p. 42). Este instrumento aparece representado nas miniaturas do nosso Cancioneiro da Ajuda ou no manuscrito escorialense das Cantigas de Santa Maria:
O cordofone de mão aqui representado é, provavelmente, "Un híbrido de laúdes y fidiculas [...]" (AlvarezI) e o seu nome um derivado do vocábulo latino, Cithara que, segundo Fernández de la Cuesta, designa um instrumento de cordas dedilhadas ou palhetadas. Instrumentos com esta tipologia aparecem ainda em vários baixos relevos espanhóis, donde destaco, entre outros, o da Catedral de Burgos (cf. ReyI, pp. 39-40). Recentemente foi descoberto em Inglaterra, no Warwick Castel (mas preservado no British Museum, Londres), um instrumento deste tipo, construído seguramente já no século XIV, mas modificado no XVI, tendo lhe sido acrescentado um novo tampo harmónico em spruce do tipo usado na viola d'arco (com respectivos ff), escala, cavalete e estandarte (cf. MunrowI, p. 26).
Os instrumentos reproduzidos tanto nos códices acima referidos como nos baixos relevos espanhóis ou ainda no cordofone que sobreviveu na Gram-Bretanha, têm sido, entre nós, impropriamente designados por Viola. Todavia, não temos dúvidas que este cordofone de mão (ainda que seja um híbrido de alaúde e viola d'arco) está na géneses da Cítara renascentista que, por sua vez, aparece primeiramente reevivificada na Alemanha, a meados do século XVIII sob a designação de Zitern, sendo posteriormente também usado na Gram-Bretanha, Escócia, França, Suécia, América colonial e Portugal, sob o nome de Guitarra (Zitern; Sister; Deutche Guitarre; Guitar ou Guittar ou tb. Cittern), ou ainda de Guitarra inglesa (English Guitar, cf. MichelZ; MoraisG; MacKillopS; RossC; TylerP e GroveD, VI, pp. 199-201).

(continua)