segunda-feira, junho 13, 2005

6. Recordando um poeta açoriano tangedor de Viola


Cantigas à minha viola

Ó viola encordoada
Com quinze cravos de aposta,
Minha pêra acinturada,
Minha maçã de Bemposta

Quando te toco nas cordas,
À boca do coração,
Vou-me sangrando em saúde
Que nem sumo de limão.

Tens os pontos doiradinhos,
Tens os espaços de luto,
Cada prima é uma flor,
Cada cravelha é um fruto...

Cada bordão é um zangão,
Cada toeira uma abelha,
Ó jardim de madrepérola
Da minha festa vermelha!

Letrinha de 8 somada
Pelas tuas seis parcelas
Mai-las minhas mãos cansadas,
Amarelas... amarelas...

Pendurada a tiracolo
No teu cordão cor de vinho,
És o meu saco de cego,
O meu burro e o meu moinho.

No florão da minha viola
Pus uma tira de espelho,
Para ver, de quando em quando,
Se estou novo, se estou velho.

Na caixa da minha viola
Há um letreiro que diz:
V. DA SILVA, VIOLEIRO,
ILHA TERCEIRA – PARIS.

Mas um tolo, um engraçado,
Colou com cuspo uns tarjões:
V. DA SILVA, CANGALHEIRO DE ALMAS,
FAZ VIOLAS E CAIXÕES.

Meu amor, deixa falar!
Dorme, não percas a esperança!
Morta, na minha viola,
Serás como uma criança.

Que seis meninas de arame
É que te levam à campa,
Com seis florinhas de pau
Espetadinhas na tampa.

E o limão, a violeta,
A madrepérola, o espelhinho
Hão-de te servir de terra
E de mortalha de linho.

Minha viola de luxo,
Minha enxada de cantar,
Meu instrumento de fogo,
Caixinha do meu chorar!

Viola, bordão de prata,
Vida violeta, violeta...
Prima, coração me mata...
Poeta! Poeta! Poeta!

(Vitorino Nemésio (1901-1978)
, Festa Redonda, Lisboa, 1950, pp. 77-79).

Talvez muitos dos melómanos portugueses não saibam que o grande poeta, romancista e académico açoriano Vitorino Nemésio frequentou, nos idos anos de 1964, a Classe de Viola do Prof. Emilio Pujol (1886-1980), no Conservatório Nacional. Nessa data eu era um jovem de vinte anos; infelizmente só mais tarde me apercebi que tinha privado de tão perto com esse ilustre homem das letras portuguesas e quão tinha perdido do seu enorme saber...!

Neste "funesto dia" não poderia deixar de me associar à memória desse outro preclaro poeta que foi Eugénio de Andrade (não sei se escreveu alguma poesia alusiva à Viola). Termino esta posta com dois versos daquele que foi o princips dos nossos poetas renascentistas: "E aqueles que por obras valerosas / Se vão da lei da Morte libertando." (Luís de Camões, Os Lusiadas, Lisboa, 1572, I, vv. 13-14).